PREJUÍZO NO CAMPO

Além da seca, produtores em MT temem risco de mais perdas na soja por doenças e pragas

Amostragens em lavouras com alto investimento chegam a apontar produtividade média entre oito e 12 sacas por hectare, insuficiente para pagar a conta

A seca em Mato Grosso antecipou o ciclo da soja mais precoce, levando as lavouras a registrar um desempenho bem abaixo do esperado. Contudo, além da baixa produtividade que tem deixado os produtores apreensivos com o cumprimento dos contratos antecipados, outros fatores entram em cena por conta da adversidade climática para tirar o sono de quem sobrevive da produção agrícola: a dificuldade com o manejo dos tratos culturais e o controle das doenças e pragas. Alguns estimam perdas de aproximadamente 40% da safra.

Área corrigida e bem adubada. Investimento alto na semeadura de precisão e expectativa de alcançar um teto produtivo entre 70 e 90 sacas por hectare de média. Essa era a meta do produtor Douglas Leandro dos Santos para os 900 hectares de soja cultivados nesta safra 2023/24 em Nova Mutum, região médio-norte de Mato Grosso.

O produtor de Nova Mutum só não contava que o fenômeno El Niño causaria impactos tão severos em Mato Grosso.

“Nenhuma chuva foi igual em cinco, seis talhões que temos na fazenda. Teve umidade para soltar o plantio, nasceu com excelência, mas o regime de chuvas após a emergência da planta foi muito escasso. Um talhão que é muito judiado, uma soja que era para estar na cintura da gente não dá nem no joelho de pouca água”.

Falta de produto para honrar contratos

O fraco desempenho da lavoura, conforme Douglas, trouxe outra preocupação não somente para ele, mas como para os demais produtores do estado: o risco de faltar produto para honrar com os compromissos.

“Fizemos contagem, amostra e não vemos soja para mais de 12 sacas por hectare. Amostra de oito sacas. Não paga [a conta]. A pirâmide vai crescendo, seus fornecedores, seus contratos que você tem que cumprir. A gente está conversando com esse pessoal para estar vindo ver a realidade, porque nenhum produtor quer passar por isso. Nós temos 32 sacas contratadas com muito medo de não ter essas 32 sacas na área inteira. Ela definiu o porte, a produtividade tudo na seca”, salienta Douglas.

O presidente do Sindicato Rural de Nova Mutum, Paulo Zen, comenta que mesmo aquele produtor que possui “uma soja aparentemente bonita em sua lavoura” não está tendo umidade suficiente para encher o grão.

“Além de chover pouco, esse pouco evapora e cozinha a planta. O negócio é ficar centrado e cada um da porteira para dentro ver a real quebra. E o principal: procurar informar isso para as pessoas interessadas, aos bancos”, orienta o presidente do Sindicato Rural de Nova Mutum.

Conforme Paulo, o produtor rural precisa estar munido de relatórios e documentos que comprovem a situação das lavouras “para depois lá na frente, na hora de fazer o acerto, ter o respaldo”.

“Depois que tirar a planta da terra como é que vai comprovar se você teve um histórico? A nossa maior preocupação é essa, porque aquele contrato que a gente assina ele é 20% para o nosso lado e 80% para o lado de quem compra”.

O advogado especialista em agronegócio Rodolfo Soriano Wolff frisa que é de suma importância que o produtor rural busque orientação jurídica e leia o seu contrato, pois geralmente existem cláusulas que falam sobre condições extremas, como é o caso do clima.

“Lá já vai ter qual é o regramento para esse tipo de condição. Se ele consegue fazer um acordo antecipado, se consegue tirar multas, juros e dividir eventualmente e até rescindir o seu contrato dependendo do seu relacionamento com a empresa. Tem que ver também se possui seguro agrícola. É importante ele entender se tem essa apólice e de fato também atestar isso.

Outro ponto destacado pelo especialista é a tentativa de uma “mediação arbitrária para que esse conflito não vá ao judiciário, porque isso pode trazer mais custas de eventuais taxas, honorários. É uma questão complicada. De fato, faltou chuva”.

Assim como as entidades ligadas ao setor produtivo, o advogado orienta a realização de laudos agronômicos e documentos que comprovem a situação.

“Faça laudos agronômicos, tirem muitas fotos. Demonstrem o que está acontecendo e converse com os seus credores. É muito importante sentar com quem você tem obrigação de cumprir o contrato e eventualmente chegar a um termo que não tenha juros, multas abusivas e não chegue ao ponto do washout, que é a não entrega do bem, onde você tem que fazer a recompra pela diferença que você eventualmente não conseguiu entregar”.

Corrida contra o tempo e perdas no campo

O clima adverso provocado pelo fenômeno El Niño também castiga duramente as lavouras de soja no Vale do Araguaia. Em Água Boa tem produtor correndo contra o tempo para terminar o plantio da safra 2023/24 da oleaginosa com perdas significativas no campo.

“Já replantei 100 hectares e estou replantando mais 200. E tem mais 300 hectares para terminar de plantar. Não chove. Só garoa. Aí o sol cozinha, a planta quer sair mais não tem umidade suficiente, muitas apodrecem e muitas perdem a semente. O plantio que é para fazer em 15, 18 dias, já estou há quase dois meses plantando”, diz o agricultor Jedson Giacomolli.

Segundo Jedson, é a primeira vez que presencia tal situação. “Vai dar uns 30% a 35% [de quebra], se não for mais. Estamos aqui desde 1976. É a primeira vez que assistimos isso. Tem noites que a gente nem dorme direito pensando nos compromissos que não vai conseguir honrar. Sempre honramos, mas esse ano está difícil”.

Com perdas contabilizadas em vários talhões da lavoura de soja, o engenheiro agrônomo Felipe Zmijevski também corre contra o tempo para tentar finalizar o cultivo dos 4.365 hectares programados para esta safra, que deve ter alterações por causa do déficit hídrico que castiga duramente a fazenda.

“Nós perdemos a janela de 15 de outubro. Aproximadamente 400 hectares replantamos nessa área que já está estabelecida hoje e agora os últimos plantios novamente veio a ter perdas. Desta área ainda nos falta replantar 480 hectares. Estamos na espera da semente”.

Felipe pontua que 265 hectares serão deixados para a cultura da safrinha e que vão tentar otimizar o cenário de grãos para a parte da pecuária fazendo sorgo.

“A gente acredita em uma perda maior do que 40% da nossa safra entre o prejuízo de replantio, as áreas que não serão plantadas e, principalmente, na quebra de produção, porque embora ainda tenha uma soja estabelecida, o enchimento ainda está muito aquém do que a gente gostaria que fosse. Então, com certeza teremos problemas com grão avariado”, diz Felipe.

Dificuldades com manejo da soja

O clima seco também prejudica o manejo dos tratos culturais, que segundo o engenheiro agrônomo, pode aumentar ainda mais as perdas no campo.

“Embora esteja seco até agora, com a chegada das chuvas as doenças vão se manifestar, há falta de cumprir os protocolos. O produtor está ponderando o investimento, porque não sabe o retorno que vai ter. Uma grande área perdida com replante, um custo a mais. Então, está tentando fazer o viável econômico, e eu acredito que para a frente do ciclo isso também vai judiar, porque vai sair da população de controle as pragas e doenças”.

Em Água Boa, relata o presidente do Sindicato Rural, Geraldo Delai, há áreas em que o produtor rural não vê chuva há 47 dias.

“Então essas áreas já vão ser abandonadas. Áreas sendo replantadas, inclusive. Tem áreas que estão regulares e que vão continuar, mas a maioria não tem um estande ideal ou adequado. As perdas no município de soja vão ser em torno de 30% a 40% com certeza. Teremos muitos produtores com problema financeiro, porque na nossa região tem muitos arrendatários. E isso também faz com que haja queda na arrecadação do município também”.

O presidente do Sindicato Rural frisa que o setor produtivo se reuniu tanto com a prefeitura de Água Boa quanto a de Nova Nazaré em busca de auxílio através de um decreto de estado de emergência na região.


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