Rico em produção de grãos, com quase 90 milhões de toneladas previstas entre soja e milho na safra 2022/2023, e com um rebanho bovino com mais de 34 milhões de cabeças, Mato Grosso convive com uma ameaça: o colapso logístico e de armazenagem que bate diariamente na porta do estado. O setor produtivo afirma não descartar redução de investimentos, caso a situação persista no curto prazo.
“Se não tiver alguma novidade nessa área para amenizar o problema, vai chegar um ponto que vai estrangular”, diz o produtor e presidente do Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde, Marcelo Lupatin.
Frases como essa são constantes entre o setor produtivo e caminhoneiros quando o assunto é infraestrutura de logística e de armazenagem em Mato Grosso.
Hoje, o estado possui capacidade estática de armazenagem de 44,57 milhões de toneladas. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) recomenda que a capacidade ideal para armazenagem seja 20% superior ao que é produzido de grãos, ou seja, considerando a safra 2021/22 de 40,89 milhões de toneladas de soja e 43,83 milhões de milho em Mato Grosso, a capacidade ideal de armazenagem no estado deveria ser de 101,67 milhões de toneladas.
Já em termos de logística, tem-se aquilo que se chama de “paciência” para enfrentar buracos, atoleiros e má conservação, somada à “esperança” de que um dia a situação seja resolvida.
Mato Grosso possui 903.357 quilômetros quadrados de extensão territorial. É cortado por seis rodovias federais, sendo a BR-163 a principal via de escoamento ligando o norte e o sul do estado aos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR) e Miritituba (PA). Além de rodovias estaduais, como a MT-130 e 170, que servem de espinha dorsal e acesso às federais.
O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Glauber Silveira, afirma que tanto a situação da armazenagem quanto da infraestrutura de logística são “novelas velhas” em Mato Grosso e no Brasil.
“A infraestrutura de logística e armazenagem no Brasil está muito aquém do que a gente precisa. Primeiro, porque o Brasil não tem um plano de desenvolvimento disso. Mesmo em rodovia. Um exemplo é a rodovia [BR-163] entre Cuiabá e Rondonópolis. Você vê teoricamente uma rodovia duplicada e que é uma tragédia. A questão da armazenagem a gente está o tempo todo colapsando. Olha lá atrás o milho jogado à céu aberto”.
“Qualquer cenário de adversidade, se o Brasil, Deus nos livre, passasse por uma situação de guerra como a Ucrânia passou, ou restrição de mercado, o grão produzido em Mato Grosso iria para o lixo” – Fernando Cadore, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT),
Produção de grãos deve crescer mais de 70% em dez anos
Em dezembro de 2022 foi divulgado o relatório Imea Outlook 2032, do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária. O estudo é composto por projeções das principais cadeias do agronegócio mato-grossense no período de 2022 a 2032. Somente entre soja e milho a previsão é colher em dez anos 144,35 milhões de toneladas.
Monique Kempa, coordenadora de Inteligência de Mercado do Imea, afirma que o déficit de armazenagem atual de grãos em Mato Grosso “já é bastante expressivo”. Somente na safra 2021/22 o déficit foi de 57,10 milhões de toneladas.
“Ao analisar a projeção de produção para os próximos anos, esse cenário de déficit de armazenagem pode ficar ainda mais preocupante, se a estrutura não acompanhar o crescimento da produção. Logo, a necessidade de armazenagem será de 173,22 milhões de toneladas, considerando a metodologia da FAO”, afirma Kempa.
Diretor-executivo da Aprosoja-MT, Wellington Andrade assinala que, para que a produção cresça como esperado, praticamente dobrando o seu volume, inclusive, em cima de aproximadamente 13 milhões de hectares de área de pastagem degradada, além da armazenagem, é preciso infraestrutura de transporte e preço.
“No atual momento não conseguimos enxergar esse cenário devido ao cenário caótico da infraestrutura. Tudo isso, somado à infraestrutura de logística de transporte, pode realmente travar a expansão de produção a qual Mato Grosso tem potencial” – Wellington Andrade, da Aprosoja-MT.
Marcelo Lupatin, produtor em Lucas do Rio Verde, afirma que a situação é desestimulante.
“Tenho conversado com alguns produtores e eles estão contentes de terem conseguido armazém neste ano. Porque vai que não tivesse onde entregar… O caminhão ia no armazém e voltava. Agora no final de fevereiro levava dois a três dias entre ir e voltar. Isso com certeza desestimula”, diz sobre a falta de armazéns e a concentração de caminhões para descarregar, especialmente com colheita úmida.
Segurar soja à espera de preço pode prejudicar milho
Dados do Imea, divulgados em fevereiro, apontavam que Mato Grosso havia comercializado cerca de 45% da produção de soja prevista para a safra 2022/23. O percentual na ocasião era considerado abaixo da média para o período, que costuma ser entre 50% e 55%.
Uma das justificativas dos produtores do estado para “segurar” as vendas no atual ciclo da oleaginosa é a expectativa por preços melhores. Nos últimos anos, quem comercializou antecipadamente viu o preço do grão disparar logo na sequência diante da demanda.
Nesta safra, há ainda a expectativa de que a seca do Sul do Brasil e na Argentina possa pressionar as cotações no mercado internacional e refletir no preço da soja em Mato Grosso.
Durante o lançamento do projeto Mais Milho, do Canal Rural, em 15 de fevereiro, em Campo Grande (MS), o economista e consultor da Safras & Mercado Paulo Molinari enfatizou que “safra cheia é muito bom, mas no caso brasileiro ela sempre traz um pouco de problema interno: a logística”.
Contudo, outro ponto citado por Molinari na ocasião e que traz ainda mais problemas, porém neste caso para a própria logística e armazenagem, é o fato da decisão de alguns produtores em segurar a soja à espera de que os preços cheguem a R$ 200 a saca.
“Me chama a atenção uma questão que pode agravar [diante da concentração de colheita]. O produtor decidindo segurar soja. Isso não é problema para a soja, porque a soja vai encontrar o seu lugar para ser guardada. Mas vai nos trazer um problema de logística para o milho, pois julho e agosto estão vindo com uma safrinha novamente recorde”, declarou Molinari.
Rodovias mais atrapalham que ajudam
Mato Grosso é cortado por seis ferrovias estaduais: BR-163, BR-158, BR-070, BR-242, BR-251 e BR-364. Além, de rodovias estaduais, importantes para o escoamento da produção agropecuária e consideradas espinhas dorsais das federais, como é o caso da MT-130, MT-140, MT-170, MT-242 e MT-493.
Buracos, fissuras e ondulações são frequentes nas rodovias federais, e até mesmo desbarrancamento de pista, como visto em 2022 na BR-163 em um trecho na saída de Jaciara, no sentido Rondonópolis a Cuiabá, que levou meses para ser consertado. Enquanto que nas estaduais, em especial as não pavimentadas, como a MT-170, antiga BR-174, o desafio é com os atoleiros.
“Só Jesus na causa, muita oração e paciência para passar pela BR-163. Precisa duplicar logo e arrumar os pontos do trecho já duplicado. Não é apenas a produção agropecuária que passa pelas rodovias federais e estaduais. São pessoas. São vidas. Seres humanos que necessitam delas para seus sustentos, para buscar ajuda médica”, diz o caminhoneiro Claudemir Loures.
Na avaliação de Glauber Silveira, a situação vista hoje nas rodovias pavimentadas é resultado de “baixa qualidade”.
“Além de termos pouco investimento na logística, aquilo que se faz tem baixa qualidade. Enquanto que uma rodovia que poderia estar durando dez anos, você vê agora totalmente destruída” – Glauber Silveira, da Abramilho.
BR-163, um caos que corta o Brasil
A BR-163 é considerada a principal rodovia federal do Brasil. Com 3.579 quilômetros de extensão, entre Tenente Portela (RS) e Santarém (PA), ela corta Mato Grosso de fora a fora, tendo em alguns pontos as BR-070 e BR-364 se sobrepondo a ela. A via, devido à precariedade, recebeu o apelido de “rodovia da morte” diante dos constantes acidentes.
Recente estudo realizado pela Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), em conjunto com o Imea, mostra que, em um trecho de 218 quilômetros rodovia BR-163/364, entre Cuiabá e Rondonópolis, que se encontra duplicado, foram constatados diversos desgastes, trincas, remendos, afundamentos, ondulações, erosões, além de buracos no pavimento.
O diagnóstico aponta que os municípios de Cuiabá, São Pedro da Cipa, Juscimeira e Rondonópolis, que estão compreendidos em tal trecho, registraram na safra 2021/22 uma produção de 723,4 mil toneladas de soja e 539 mil toneladas de milho.
Já a movimentação de animais somou no período 299,9 mil exemplares ,conforme dados da Guia de Trânsito Animal (GTA), sendo que 168,8 mil cabeças de gado abatidas em 2022 tiveram como origem os quatro municípios.
“O estudo em questão foi realizado com o objetivo de compreender as reclamações e dificuldades enfrentadas pelos usuários da rodovia, que é uma importante via de ligação entre diversas cidades e regiões, e que recebe um alto fluxo de veículos diariamente”, afirma o gerente de Relações Institucionais da Acrimat, Nilton Mesquita Junior.
A Acrimat, afirma Mesquita Junior, vê a situação da BR-163 com muita preocupação, uma vez que as dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais afetam diretamente o aumento do custo de insumos e a competividade do setor. “Além disso, os constantes acidentes registrados na rodovia representam uma ameaça à segurança dos trabalhadores e usuários da via”.
Soluções de curto e médio prazo existem
Linhas de financiamento para armazenagem, conclusão da transferência da concessão da BR-163 para o governo de Mato Grosso e a construção de ferrovias são algumas das soluções apontadas pelo setor produtivo e autoridades para no curto e médio prazo se “evitar um colapso” e a “redução de investimentos” na produção agropecuária.
Em dez anos, a produção de soja e milho no estado aumentou cerca de 112,84%. E, de acordo com o setor produtivo, inúmeros fatores contribuíram para que a armazenagem não acompanhasse o ritmo.
Entre eles está o grau excessivo de burocracia para a concessão de crédito, oferta de crédito insuficiente, taxas incompatíveis com a atividade, além das constantes restrições orçamentárias. Conforme a Aprosoja-MT, soma-se a isso o alto custo de captação decorrente de “diversos penduricalhos, que repercutem negativamente sobretudo no pequeno e o médio produtor rural”.
A construção de armazéns nas propriedades e/ou cooperativas de armazéns entre produtores são algumas das opções para solucionar os problemas de armazenagem, aponta o setor produtivo. Entretanto, tal investimento depende de diversos fatores como acesso ao crédito e políticas de incentivos ao produtor.
No que se refere a logística, ao menos no trecho de 850,9 quilômetros entre a divisa com Mato Grosso do Sul e Sinop, a esperança para melhorar a situação está na conclusão da transferência da concessão da BR-163 para o governo de Mato Grosso, por meio da MT Par.
A expectativa era que o impasse da BR-163 terminasse em janeiro de 2023. Contudo, as negociações das dívidas da concessionária Rota do Oeste com os bancos credores ainda ocorrem. O que levou a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em 2 de fevereiro conceder à concessionária e ao governo de Mato Grosso prazo de 60 dias para concluir o acordo de transferência acionária.
A proposta apresentada pelo governo de Mato Grosso, para assumir o trecho em questão, prevê um investimento de R$ 1,2 bilhão em recursos próprios, nos próximos dois anos, para a conclusão das obras. Além disso, do volume arrecado pelo Fundo de Transporte e Habitação (Fethab) 10% seguirá destinado ao MT Par para ser injetado nas obras, conforme aprovado em dezembro do ano passado.
“A gente enxerga aí que esse cenário pode se resolver ou não no curto prazo em relação à BR-163 se o governo conseguir fechar os acordos com os bancos. O estado dá um prazo, começando já a partir deste ano, de cinco anos para a conclusão da duplicação”, frisa o diretor-executivo da Aprosoja-MT, Wellington Andrade.
Segundo ele, é preciso que se tenha atenção também para as demais vias, como a BR-158.
“E, é lógico à malha estadual, que serve de espinha dorsal para o entroncamento com essas BRs, que também não estão em bom estado de conservação e com o Fethab sendo cobrado, chegando quase na casa dos R$ 3 bilhões ano”, lembra o diretor-executivo da Aprosoja-MT.
Prefeito de Lucas do Rio Verde, Miguel Vaz Ribeiro (Cidadania) acredita que, além das melhorias que podem ocorrer na BR-163 com o estado assumindo a obra, o avanço dos trilhos também pode trazer benefícios e impedir que a produção agropecuária e industrial seja impactada.
Atualmente, Mato Grosso conta apenas com malha ferroviária até Rondonópolis. Entretanto, em novembro do ano passado foram iniciadas as obras da primeira ferrovia estadual que ligará o município a Campo Verde e Lucas do Rio Verde. São aguardados também os desdobramentos das obras da Ferrogrão e da Fico.
“O Brasil precisa sair do chão. Precisa deixar a iniciativa privada fazer. O governo federal precisa cuidar da saúde, da educação, da segurança e deixar a infraestrutura para a iniciativa privada” – Miguel Vaz Ribeiro, prefeito de Lucas do Rio Verde.
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