MT SUSTENTÁVEL

Tipologia no CAR: quando o mapa não reflete a realidade da fazenda

A transição entre biomas é natural, mas nas bases de dados pode virar um desafio. No MT Sustentável – Especial CAR Digital 2.0, o tema é tipologia vegetal e as diferenças entre o que o sistema mostra e o que o campo revela

A divergência entre a tipologia vegetal registrada no mapa e a realidade encontrada em campo tem desafiado produtores na hora de atualizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Em Campos de Júlio, a diferença entre biomas e dados oficiais colocam em pauta a importância de corrigir informações para garantir a regularização ambiental.

A natureza não reconhece fronteiras fixas. Em regiões como o oeste de Mato Grosso, árvores altas e vegetação mais baixa se misturam em um mesmo cenário — o chamado ecótono, área de transição natural entre biomas. Foi justamente essa característica que colocou à prova a regularização da Fazenda Guadagnin, em Campos de Júlio, onde o produtor Jonathan Ferrari Guadagnin se deparou com divergências no CAR.

Jonathan é a terceira geração à frente da propriedade adquirida pela família na década de 1990. Dos 1.525 hectares totais, 300 hectares já estão destinados ao cultivo de soja e milho. O restante permanece em área nativa, mas a energia da nova geração impulsiona planos de ampliar a produção — e, por isso, parte dessas áreas deve ganhar novos usos no futuro.

“Tudo começou quando a gente teve o entendimento de entrar com uma PEF [projeto de exploração florestal] para fazer uma abertura. (…) Quando a gente contratou o engenheiro, a gente viu que tinha uma divergência do que realmente é no campo com o que está no sistema. Então, aonde a nossa área estava como Floresta no sistema, quando a gente vem ao campo visitar, a gente via que ela é um Cerrado”, diz o produtor ao programa MT Sustentável.

Após o levantamento técnico e a vistoria da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT), a área foi retificada e identificada corretamente como Cerrado. Mas outro trecho da fazenda revelou o contrário: o sistema indicava Cerrado, mas o campo mostrava presença de espécies típicas de Floresta.

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Foto: Israel Baumann/Canal Rural Mato Grosso

A base de dados e o desafio técnico

De acordo com a secretária adjunta de Gestão Ambiental, Luciane Bertinatto, o problema está na origem das informações utilizadas pelo sistema, que apoia em informações do projeto Radam Brasil.

“O Radam Brasil é muito antigo. A precisão de imagens dele é um para um milhão de pixel de imagens. Nós estamos pedindo, fizemos uma tentativa na Assembleia Legislativa de mudar de Radam Brasil para IBGE, que é mais atualizado, é mais recente e ele usa imagens de um para 250.000”, explica.

Luciane frisa que a mudança pode facilitar a identificação da tipologia e reduzir erros. “Tem áreas que hoje estão Cerrado e que lá no Radam Brasil como Cerrado elas estão equivocadas. Nós estamos solicitando essa mudança do Radam Brasil para o IBGE. As tratativas ainda estão na Assembleia Legislativa”.

O engenheiro florestal e analista da Sema, Sílvio Eduardo de Oliveira Thomas, detalha como é feita essa diferenciação no campo. “Primeiro, a gente vê os indivíduos, as espécies arbóreas que têm no local. Porque existem espécies que elas são adaptadas à vegetação de Cerrado e outras que são de Floresta. Então, a gente tem que fazer esse levantamento”.

Ele salienta que a densidade e o porte da vegetação também são determinantes. “Se ela for mais densa, com porte entre 20 e 60 metros, ela pode ser uma vegetação de Floresta. Agora, se for uma vegetação mais raleada, menos densa, com altura entre 6 e 10 metros, ela tem característica de Cerrado”.

Foto: Israel Baumann/Canal Rural Mato Grosso

Entre custos, laudos e responsabilidades

Para corrigir o CAR, Jonathan precisou contratar uma equipe especializada e reforça a importância de contar com profissionais qualificados. “Ele é um pouco moroso, exige que se tenha uma equipe muito profissional, que saiba o que está fazendo, né? (…) Tudo começa aí, na escolha de um profissional que sabe com o que está trabalhando para que seja assertivo”.

A secretária de Estado de Meio Ambiente, Mauren Lazzaretti, reconhece que o processo pode representar um custo elevado, especialmente para pequenos produtores.

“Para essa situação nós não temos solução que desonere o produtor de apresentar um laudo de tipologia”, afirma ao programa do Canal Rural Mato Grosso.

Conforme ela, a responsabilidade técnica é do proprietário. “As bases de referência que nós temos apontam uma tipologia padrão aplicada pelo órgão. Para que eu possa modificar uma base de referência prevista legalmente, eu preciso de dados técnicos que subsidiem. (…) A a nossa Secretaria de Agricultura Familiar (Seaf), tem criado alternativas com estudos regionais, inclusive em assentamentos rurais e pequenas propriedades, com o suporte do órgão estadual”.

Foto: Israel Baumann/Canal Rural Mato Grosso

Mutirões, dados e cooperação pelo CAR

Hoje, a fazenda Guadagnin já está com 80% do processo resolvido. “É questão de montar o campo para fazer a vistoria, aprovar essa tipologia que falta e então entrar com a solicitação do PEF. Se for pegar uma cronologia do nosso procedimento, estamos com 80% resolvido”, diz Jonathan.

Luciane Bertinatto reforça que o produtor precisa acompanhar de perto o processo. “O proprietário precisa entender do CAR como ele entende da comercialização da sua propriedade. (…) Entender do CAR é fundamental para a sobrevivência daquela propriedade. Uma coisa não se desvincula da outra”.

Ela destaca ainda os mutirões realizados pela Sema para acelerar as validações, mas que ainda observam carta resistência dos donos das áreas. “A gente vê uma resistência muito grande do produtor de entender o problema da propriedade dele. (…) O que nós estamos dizendo com o mutirão é: produtor, venha conversar conosco. Olhe a sua propriedade. É você que vai tomar a decisão”.

A atuação conjunta também chega pelo setor produtivo. O vice-presidente da Aprosoja Mato Grosso, Luiz Pedro Bier, explica à reportagem que a entidade está mapeando os principais gargalos do processo.

“Nós conseguimos coletar as informações, os principais problemas, dividir por região do estado, saber quais são os problemas mais corriqueiros em determinadas regiões. Com isso conseguimos nortear as decisões e pressionar a Sema para soluções específicas nos pontos determinados onde a gente tem problema”.

Para ele, decisões baseadas em dados são o caminho para destravar avanços. “Existe toda uma coleta de dados, eu acho que é tomar decisões baseado em fatos e dados e não simplesmente achar que algo é o caminho mais acertado para uma solução definitiva”.

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