As áreas consolidadas têm sido decisivas para determinar como cada propriedade será enquadrada no Cadastro Ambiental Rural Digital, o CAR Digital, e quais caminhos seguirá na regularização ambiental. No estado, produtores ainda enfrentam dúvidas sobre comprovação, datas de abertura e diferenças entre o que está no campo e o que aparece nas bases oficiais.
Domingos Munaretto deixou o Paraná em 1979 rumo a então região da BR-163 que mais tarde se tornaria Lucas do Rio Verde. Ali chegou com a missão de abrir os dois mil hectares adquiridos pela família sem qualquer orientação técnica ou regra clara sobre uso do solo. “Nós que abrimos”, conta o produtor, ao relembrar que, na época, prevalecia apenas a orientação de que “podíamos abrir até 80% da área”.
Aberturas antigas, novas regras
Com a evolução das legislações ambientais, propriedades como a de Munaretto precisaram se adaptar. Ele foi um dos primeiros a aderir ao projeto Lucas do Rio Verde Legal, que demarcou áreas irregulares e iniciou o processo de recuperação. “Foi demarcado o que era ilegal e nós começamos a nos educar dentro o sistema”, relata ao programa MT Sustentável.

A secretária adjunta de Gestão Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT), Luciane Bertinatto, explica que o histórico de abertura garantiu benefícios importantes. “Aberturas de áreas até 2000 têm o benefício de ter reserva legal em Cerrado de 20%. Em Floresta 50%”, afirma. No caso de Munaretto, ela detalha que, apesar de a propriedade ter déficit, ele “ainda tem o benefício do Código Florestal que ele pode compensar fora, porque foi antes de 2008”.
Alguns produtores como Darci Eichelt, também de Lucas do Rio Verde, seguiram caminho semelhante. Mesmo antes da obrigação legal, ele optou por recuperar áreas próximas a nascentes e adquirir outra área para futura compensação. “Eu plantei porque tem a nascente ali embaixo. Valeu a pena porque eu plantei, reflorestei e não precisei plantar mais depois”, diz. A mudança antecipada acabou trazendo vantagens quando o novo Código Florestal entrou em vigor.
Luciane reforça que pequenos produtores abaixo de quatro módulos têm benefícios específicos, caso tenham aberto áreas antes de 2008. “Se eu desmatei minha reserva legal antes de 2008 e sou um proprietário abaixo de quatro módulos, eu vou estar isento da reserva legal. Acima de quatro módulos de desmates antes de 2008, eu vou poder compensar em outra área”, explica.
A secretária adjunta de gestão ambiental do estado lembra que o tema precisa ser amplamente difundido: “Nós temos um número de mais de 127 mil propriedades abaixo de quatro módulos que têm alguns benefícios por terem aberto antes de 2008”.
Quando a área consolidada não aparece
Em Campo Verde, o produtor Fernando Ferri, que enfrentou uma inconsistência: uma área aberta desde os anos 1980 não aparecia como consolidada na base da Sema. Ele relata à reportagem do Canal Rural Mato Grosso que “ela não dava consolidação, apesar de ser uma área aberta desde a década de 80 ela ficou um tempo em pousio com braquiária”.
Com o CAR Digital, o cadastro da área foi analisado automaticamente e passou a exigir apenas a comprovação documental.
Luciane explica que situações como essa ainda ocorrem “provavelmente por essa vegetação verde… não foi colocado essa propriedade com uma área consolidada”, aponta. Conforme ela, o Decreto 288/2023 determina que o produtor apresente um laudo com imagens de 2003 a 2008, comprovando o uso anterior à data de corte. Ela detalha o fluxo: laudo técnico, imagens históricas, RT do responsável técnico e análise da equipe de geoprocessamento.
O processo não tem prazo fixo. Para Luciane, tudo depende da complexidade: “Na pecuária é mais difícil… eu vou precisar de uma análise um pouco mais demorada, uma análise de geoprocessamento de imagens”. Provas como carreadores de gado e notas fiscais ajudam a reforçar a comprovação.
A discussão sobre a revisão do Código Florestal
Diante das observações entre o que está no campo, nas bases de dados e na legislação, a necessidade de revisar pontos específicos do Código Florestal Brasileiro é debatida entre produtores e especialistas.
Para Fernando Ferri, a experiência prática evidencia que alguns ajustes são necessários. “Tem coisas que foram pensadas lá atrás… que na hora de implementar viu que não está dando certo”, afirma. Ele questiona o marco temporal: “Se o Código foi promulgado em 2012, por que que o marco temporal é 2008?”.
A secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso, Mauren Lazzaretti, reforça que o tema precisa ser enfrentado com seriedade. “Eu acho que isso vai ser necessário… existem algumas inviabilidades e que na prática aquela não é a melhor solução ambiental”, diz. Para ela, a revisão não significa flexibilizar indiscriminadamente, mas encontrar equilíbrio entre ambiente, produção e custos reais de regularização.
Mauren defende inclusive a ampliação das possibilidades de compensação além de 2008. “Eu sei que o tema é polêmico… mas será que não está na hora de discutirmos o assunto?”, afirma. Ela destaca que qualquer debate só pode avançar com base em números validados, reforçando o papel central do CAR Digital. “Mas para discutir precisamos ter números e esses números tem que ser validados. Para ser validados nós temos que implementar o Cadastro Ambiental Rural”.
Segundo a secretária de Meio Ambiente, durante a COP30 Mato Grosso apresentará seus avanços, incluindo o CAR Digital e programas de restauração, como o Todos pela Araguaia, que se trata de uma estratégia para restauração de áreas de recarga de aquífero e preservação permanente.
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