Mato Grosso

Milho: o grão que vira combustível e gera emprego e renda no campo e na cidade

Uso do cereal para a produção do biocombustível vem mudando a realidade do campo, indústria e cidades em Mato Grosso

As projeções para a safra 2023/24 de etanol de milho apontam que Mato Grosso será responsável pela produção de quase 70% do produto no Brasil. Com sete usinas full hoje em operação, o estado tem visto a cada dia o biocombustível mudar a realidade do campo e da cidade com agregação de valor e geração de renda e emprego.

Atualmente no país 18 indústrias estão em operação, sendo dez flex e oito unidades full. Para o próximo ano safra, que inicia em abril, a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), revela que mais duas usinas passarão a operar, elevando para 20 unidades.

Das fulls, que produzem o biocombustível utilizando somente milho, sete estão em Mato Grosso, estando elas localizadas em Nova Marilândia, Poconé, Lucas do Rio Verde, Sorriso (duas), Sinop e Nova Mutum. Para o primeiro semestre de 2023 há a previsão de uma full em Primavera do Leste.

evolução produção etanol de milho no Brasil foto Divulgação Unem
Evolução da produção etanol de milho no Brasil. Foto Reprodução/Unem

A produção de etanol de milho no Brasil começou em 2012, como alternativa para aumentar a produtividade das indústrias de etanol de cana-de-açúcar, uma vez que a produção ocorria somente durante a safra da mesma. Porém, em agosto de 2017, com a inauguração da FS em Lucas do Rio Verde, a primeira do país a produzir o combustível apenas com milho, a produção do biocombustível utilizando o cereal passou a ocorrer durante os 365 dias do ano.

“Dé lá para cá, o etanol de milho passou de 0,5 bilhão de litros para 4,5 bilhões, representando 15% do biocombustível no mercado nacional e se consolidando como um aliado na produção de uma matriz energética limpa, renovável e que contribuiu com o desenvolvimento sócio econômico do país”, pontua Guilherme Nolasco, presidente da Unem.

Somente na safra 2022/23, Mato Grosso produzirá 3,24 bilhões de litros de etanol de milho e na 2023/24 as projeções são de 4,16 bilhões. Para a safra 2030/31, a Unem estima que a produção no estado seja de 7,73 bilhões de litros.

Produção de etanol de milho por estado e projeções para a safra 2023/24. Foto: Reprodução/Unem

No país, hoje, há mais de 20 projetos de indústrias de etanol de milho em estudo e, deste total, há pelo menos seis unidades com autorização para construção em Mato Grosso.

A FS, por exemplo, além das plantas em Lucas do Rio Verde e Sorriso atualmente em operação, conta com expansão em Primavera do Leste, com inauguração no primeiro semestre de 2023, além de projetos previstos para Campo Novo do Parecis, Querência e Nova Mutum.

Uma “loucura” que virou agregação de valor

A FS, instalada em Lucas do Rio Verde, foi a primeira usina de etanol do Brasil a utilizar somente o milho como matéria-prima. A planta foi idealizada pelo produtor Marino José Franz.

A FS, em Lucas do Rio Verde, foi a primeira indústria de etanol do Brasil a utilizar somente o milho como matéria-prima. Foto: Viviane Petroli/Canal Rural Mato Grosso

Franz conta que quando prefeito de Lucas do Rio Verde (2005-2012), o estado produzia 3,5 milhões de toneladas de milho. Segundo o sócio fundador da empresa, nos idos de 2006 ele já enxergava a potencialidade do cereal e os projetos de ampliar a produtividade do grão no município já estavam em sua mente em 2012, tanto que foi chamado de “louco”. Contudo, mesmo desacreditado por muitos, não desistiu de “vender” sua visão.

“Conseguimos trazer a BRF para cá. Eu falei para eles que nós iríamos produzir 15 milhões de toneladas em 2015 e eles acharam que eu estava louco”. Ele, lembra que ao conhecer o norte americano Bruce Rastetter, empresário do ramo de etanol de milho nos Estados Unidos, “vendemos a mesma ideia em 2012” referindo-se ao etanol de milho.

“O Brasil de importador de milho passou a ser exportador. O Brasil como um todo produz 130 milhões de toneladas e consome 75 milhões. O resto tem de ir para fora. Então, como é que nós vamos exportar se nós não temos logística? A logística demora para chegar. O melhor jeito é transformarmos. É agregar valor ao que temos aqui”.

Foto: Viviane Petroli/Canal Rural Mato Grosso

Diretor-executivo da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Wellington Andrade, frisa que é “importantíssima essa questão do etanol de milho, porque a gente começa a entrar no ciclo da industrialização da agropecuária no estado, que é o que traz valor agregado para a economia mato-grossense”.

Para se ter uma ideia da agregação de valor, uma tonelada de milho rende, em média, 425 litros de etanol, 300 quilos de farelo, 18 litros de óleo de milho, além de co-geração de energia elétrica.

As três maiores plantas produtoras do estado, destaca a Unem, instaladas em Lucas do Rio Verde, Sorriso e Sinop, já passaram por ampliação da produção. Em Lucas do Rio Verde, entre 2017/18 e 2022/23 houve aumento de 147%. A unidade de Sorriso expandiu a produção em 76% entre as safras 2020/21 e 2022/23. Em Sinop, o crescimento foi de 63% entre as safras 2020/21 e 2022/23.

Foto: Canal Rural Mato Grosso

Segurança ao produtor impulsiona produção de milho

A implantação das indústrias em Mato Grosso, conforme o setor produtivo de milho, trouxe garantia de consumo no mercado estadual e de preços, sendo possível verificar entre as safras 2018/19 e 2021/22 crescimento em mais de 35% na produção. No que tange a preço pago ao produtor pela saca de 60 quilos, os R$ 6, R$ 7, R$ 10 vistos nos idos de 2012 não mais foram vistos.

Na safra 2021/22 Mato Grosso produziu 43,84 milhões de toneladas de milho. O consumo de milho para a produção de etanol foi de 7,5 milhões de toneladas.

Wellington Andrade, diretor-executivo da Aprosoja-MT, observa que “Mato Grosso ainda assim tem excedente de produção, mas se não fosse essa industrialização do etanol de milho, o que favorece, inclusive, uma estabilidade ou até aumento no preço do grão, provavelmente o preço do milho estaria menor”.

Foto: Canal Rural Mato Grosso

Em Mato Grosso, sinaliza Glauber Silveira, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), cerca de 20% do milho comercializado é para a produção de etanol.

“O etanol de milho mudou a realidade de preços regionais. Isso contribuiu. Veio a somar. Nos EUA, por exemplo, 30% do milho produzido é utilizado no etanol. Você tem um número interessante e vai dando segurança para o mercado. E, o legal do etanol de milho é que ele incentiva a produção de biomassa também”.

Fabrício Vieira, diretor Comercial da FS, comenta que para a safra 2023/24, que começa em abril, o consumo de milho entre todas as plantas será de 4,8 milhões de toneladas. “Isso vai produzir dois bilhões de litros de etanol e 1,2 milhão de toneladas de DDG”.

Foto: Embrapa Rondônia

“Vale destacar que as indústrias fazem compra antecipada e têm capacidade para armazenar, ou seja, nem todo o milho processado nesta temporada foi colhido na atual safra”, ressalta o presidente da Unem, Guilherme Nolasco.

Do campo para a cidade: uma nova realidade

A implantação das usinas de etanol de milho em Mato Grosso, além de auxiliar no aumento da produção do grão e geração de emprego no campo, tem mudado a realidade dos municípios às quais estão instaladas e do estado com a agroindustrialização.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) revelam que o setor de etanol, entre milho e cana-de-açúcar, tinha em dezembro de 2022 um total de 8.998 empregos diretos e 121.383 indiretos gerados no estado.

Etanol de milho trouxe agregação de valor para a produção, pontua Miguel Vaz, prefeito de Lucas do Rio Verde. Foto: Ascom Prefeitura Lucas do Rio Verde/Anderson Lippi

“[O etanol de milho] representa agregação de valor. Representa geração de riquezas, geração de receita para o município, que é devolvido em prestação de serviços públicos, educação, saúde”, relata o prefeito de Lucas do Rio Verde, Miguel Ribeiro Vaz (Cidadania).

Em Sinop, conforme o prefeito Roberto Dorner (Republicanos), não é diferente a mudança trazida pela instalação de uma indústria de etanol de milho. Na avaliação dele, a mudança com a industrialização do cereal ocorreu em toda a região.

“A população só tem a ganhar com a chegada de indústrias e com o desenvolvimento do agronegócio, que hoje movimenta o setor de prestação de serviços em geral. É geração de emprego, pessoas que vieram para cá trabalhar e trouxeram famílias. Essas famílias também consomem no nosso comércio local. É motorista que mudou a rota para Sinop e agora, abastece, almoça, arruma seu caminhão aqui. Isso é ganho para a cidade. É o agricultor que agrega valor no seu produto”, diz o prefeito de Sinop.

Instalações de usinas de etanol de milho mudaram a realidade dos municípios e regiões as quais estão localizadas, como Sinop, frisa o prefeito Roberto Dorner. Foto: Prefeitura de Sinop

Além de benefício fiscal, o Governo de Mato Grosso, salienta o secretário de Desenvolvimento Econômico, César Miranda, tem trabalhado para melhorar o ambiente de negócio e a logística do estado, à exemplo da duplicação da BR-163 e a construção da primeira ferrovia estadual, com previsão do início da operação no trecho entre Rondonópolis e Cuiabá em 2025 e operação do trecho Rondonópolis a Lucas do Rio Verde em 2028, entre outras ações.

“A soma de tudo isso desperta interesse de investidores. Sem dúvida essa evolução industrial é resultado de uma união de esforços. O produtor que planta o milho, o pesquisador que descobre como transformar o milho em etanol, o estado que cria ambiente de negócio favorável com investimentos e incentivos e o próprio industrial que vendo todo esse cenário conclui que Mato Grosso é o melhor lugar para investir”, diz César Miranda.

Farelo de milho é destinado para a produção de proteína animal. Foto: Wenderson Araujo/Trilux/CNA

Etanol de milho um fomento para a cadeia da proteína animal

O etanol de milho, avalia o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (Fiemt), Sílvio Rangel, é a peça chave na industrialização do estado.

“Por ter uma cadeia diversificada, o setor de bioenergia também estimula outras indústrias, por exemplo a de alimentos, como temos observado com aumento da produção de proteína animal em Mato Grosso, com ganhos expressivos em sua produtividade nos últimos cinco anos”, analisa Sílvio Rangel.

Para a safra 2022/23, a estimativa de produção de farelos de milho (DDG e DDGS), revela a Unem, é de 2,53 milhões de toneladas no Brasil. Em Mato Grosso, os farelos devem atingir 1,7 milhão de toneladas.

Foto: Agência Marca Studio Criativo

A Unem salienta que deste total produzido no estado, 45% abastecem o mercado interno, 54% é enviado para outros estados e uma pequena parte (0,1%) é exportada.

“A pecuária, avicultura, suinocultura, e outras atividades de criação animal, inclusive mercado pet, se beneficiam diretamente do DDG (grãos secos de destilaria) e DDGS (grãos secos de destilaria com solúveis) como fonte de proteína na nutrição. Seu valor nutritivo é considerado excelente, principalmente pelo nível de proteína e energia”, menciona Guilherme Nolasco, presidente da Unem.

O mercado de farelos de milho é considerado de suma importância pelo setor industrial do etanol de milho.

“Por isso, investem em tecnologia para melhorar cada vez mais o desempenho dos produtos e chegar a cada vez mais mercados, nacional e internacional. A Unem vem realizando um estudo para mapear os potenciais mercados internacionais dos farelos de milho como forma de dar vazão ao excedente produzido no país”, completa Guilherme Nolasco.

Foto: Agência Brasil

Combustível sustentável no tanque dos carros

O mundo vive hoje um grande combate às crises ambiental e energética, o que leva cada vez mais à busca por alternativas sustentáveis para diminuir a emissão do CO2. O etanol é um combustível sustentável de fonte renovável que emite 70% menos CO2 em comparação com a gasolina.

“Por essa vantagem ao meio ambiente e à saúde, já deveria ser o preferido pelos consumidores. Mas, está difundido como parte do imaginário popular que o etanol só vale a pena enquanto estiver com até 70% do valor da gasolina”, salienta o presidente da Unem.

Um dos fatores para o boom da produção do biocombustível na avaliação do produtor rural de Lucas do Rio Verde, Marcelo Lupatin, é justamente a pegada ambiental. “Essa visão do mundo em querer estar mais corretamente no meio ambiente e essa tecnologia que veio da indústria do etanol com certeza foi o que causou o boom da produção”.

“A indústria de bioenergia não é apenas uma usina de etanol. É uma indústria altamente tecnológica, em franca expansão e com capacidade de ser parte fundamental da transição energética que o mundo precisa”, ressalta Sílvio Rangel, presidente da Fiemt.

 

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